Uma das principais características do ator Michael Kelly responsáveis por distanciá-lo do personagem Doug Stamper, da série "House of Cards", é que ele é capaz de sorrir. Aliás, ele o faz com frequência, diferentemente do muro emotivo interpretado por ele há três temporadas e exibido no site de vídeos por streaming Netflix. "Quando assinei o contrato, só sabia de uma coisa: eles seriam donos da minha vida por sete anos", ele brinca com o contrato assinado com a empresa quando foi selecionado para interpretar o braço direito do político Frank Underwood, interpretado por Kevin Spacey - entenda: isso não significa que a série tem sete temporadas confirmadas e, até o momento, apenas a quarta leva de episódios foi anunciada. "Mas, falando sério, pediram-me apenas uma coisa: 'Não sinta nada'." Esse Doug Stamper não existe mais. A muralha emocional foi quebrada, assim como o personagem, fisicamente, ao ser atingido por uma pedra na cabeça, em golpe desferido por Rachel Posner (vivida por Rachel Brosnahan), ao fim do segundo ano da série, e deixado inconsciente em uma floresta. O fiel escudeiro de Frank caiu no momento no qual se mostrou mais humano, vítima daquela estranha obsessão pela pessoa que o atacou e o abandonou. A reconstrução completa de Stamper conduziu a terceira temporada da série, a primeira original criada pelo serviço de streaming, vencedora de dois Globos de Ouro (para os protagonistas Kevin Spacey e Robin Wright) e quatro estatuetas do Emmy. E não se espante se encontrar o nome de Kelly entre os indicados quando a próxima temporada de premiações tiver início. Ator de curto alcance até aqui, com participações em séries de televisão como "Law & Order: Criminal Intent", "Criminal Minds", "Fringe" e "C S.I. Miami", e uma carreira pouco efetiva no cinema ("Os Agentes do Destino", "A Troca" e "Truque de Mestre" estão no currículo), a dedicação física para interpretar o longo período de recuperação do personagem em sessões de fisioterapia, além das longas cenas nas quais atua sozinho, em uma espiral de autodestruição ancorada pelo álcool, são elogiáveis. "Essa temporada foi, sem dúvida, a mais desafiadora", comenta Kelly. "Fiz pesquisa e precisei buscar uma adaptação física para representar a recuperação de Doug nos episódios." O ator conta que as cenas solitárias de Doug foram particularmente difíceis. "Quando se atua com alguém, há algo para reagir. Os melhores atores são aqueles bons ouvintes, porque é muito difícil apenas reagir. E o Doug, especialmente, não é de falar muito. Precisei fazer essa lição de casa. Foi difícil." "House of Cards" é baseada na minissérie britânica homônima, esta baseada em um romance do político e escritor britânico Michael Dobbs. Nesta versão da Netflix, acompanhamos a trajetória de Frank Underwood, um político com talvez pouco carisma diante do microfone, mas um mestre hábil na manipulação e na orquestração de jogadas dignas de mestres de xadrez no Congresso norte-americano. Frank é casado com Claire Underwood (Wright), apelidada de rainha de gelo pela forma centrada como ela acompanha o marido, sempre fria e ciente do seu papel. A terceira temporada, lançada no dia 27 de fevereiro, com todos os 13 episódios disponíveis na mesma data (como costume das séries originais da Netflix), mostra que os problemas dos Underwood alcançam escala global no momento em que ele, por meio das mais deliciosas artimanhas, se torna presidente dos Estados Unidos.