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Jornal Diário de Suzano - 23/11/2024
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Coluna

Cidadania e Abstenção nas Eleições

17 outubro 2024 - 05h00

O debate eleitoral pode ser revelador em termos de consciência social e mazelas institucionais. Em 1987, José Murilo de Carvalho escreveu um livro chamado "Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi". O livro, já pelo título indica que a ideia de República como processo político protagonizado pelo povo não ocorreu. Foi efetivamente um golpe militar em que o povo assistiu "bestializado" sem entender propriamente o que ocorrera, acreditando que se tratava de um desfile militar. O livro está organizado em 5 capítulos, além da Introdução e da Conclusão. O autor começa retratando o Rio de Janeiro, capital do Império e depois da República e seus déficits habitacionais, de abastecimento urbano, saneamento básico, higiene e água, além das ocupações precárias e do desemprego alto.
A participação popular, nessa ocasião, não passava pelo mundo oficial da política: "a cidade não era uma comunidade no sentido político, não havia o sentimento de pertencer a uma entidade coletiva, não havia uma comunidade política". Por outro lado, no entanto, havia uma participação fragmentada e dispersa que se expressava em grandes festas populares e religiosas, e atividades em associações operárias, colônias de imigrantes e bairros. Em seguida, o autor discute a ideia de cidadania e seu déficit no Brasil. Como a participação ocorria ao largo das instituições políticas oficiais era difícil observar uma cidadania ativa. O que havia era o que o autor chama de "estadania", ou seja, a participação politica daqueles que se relacionavam diretamente com o Estado, seja na condição de servidor público concursado (principalmente das forças de segurança) seja como "comissionado" (funcionário de confiança). Assim, observava-se a negação da participação, a participação autoritária e a alienação política. Mais adiante, completa-se o quadro: o povo político era rarefeito. Isso significa que apesar do fim do voto censitário, muitos ficaram excluídos do direito de votar. Assim, nas eleições constituintes de 1890, dos 515.559 domiciliados no Rio de Janeiro, apenas 109.421 tinham o direito de votar. Os outros eram menores de 21 anos, mulheres, analfabetos, praças e frades. Destes "cidadãos" com direito ao voto, apenas 28.585 alistaram-se, ou seja, 26% dos "cidadãos" e 5,5% da população total.
Assim, confirmam-se com números a indisposição de votar. Os motivos? Descrença com o sistema eleitoral (excesso de fraude) e os perigos e perseguições sofridas por capangas e agenciadores. Passado um século do período descrito por José Murilo de Carvalho, o direito de votar foi expandido, o alistamento eleitoral tornou-se obrigatório, há multa para os não votantes, e assim mesmo o índice de abstenção (não comparecimentos nas urnas) ainda é grande. Em Suzano, em 2020, a abstenção foi de 23,86% dos alistados eleitoralmente; em 2024, esse índice aumentou para 24,41%.
Nesse espaço não há como explicar esse fenômeno. Mas é possível traçar algumas linhas que buscam iniciar o debate: "O povo continua participando de suas celebrações e vida comunitária, via manifestação religiosa e associativas, mas não tem interesse pela via política institucional;
"A ausência de povo tinha contrapartida na ausência de partidos. Agora abundam partidos, a maioria (se não, todos) pouco democráticos. Isso é fator de pouco estímulo para a participação; "Parte dos candidatos aos cargos proporcionais tem relação com os governantes de plantão construídas a partir de favores diversos, desde emprego até pagamento de conta de luz e vaga em hospital;
"A extrema direita desinforma a população apostando na deterioração do sistema político e eleitoral argumentando que o sistema é fraudulento. O povo fica ainda mais descrente;
"As forças de segurança continuam se imiscuindo na vida política de forma autoritária. Assim, ainda hoje, apesar de muitos avanços, parece que vivemos em uma República sem povo disposto a exercer a cidadania ativa que passe pelas vias institucionais. A democracia, portanto, continua frágil. A abstenção nas urnas talvez seja um importante sinalizador da situação que vivemos. Temos muito trabalho pela frente.