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Jornal Diário de Suzano - 21/03/2025
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Coluna

Eco do Carnaval

20 março 2025 - 05h00

Acabou nosso carnaval /Ninguém ouve cantar canções / Ninguém passa mais / Brincando feliz / E nos corações / Saudades e cinzas / Foi o que restou
Essa é a "Marcha de Quarta-feira de Cinzas" de Vinícius de Moraes. Gosto dela assim como gosto de "Vai passar" e da "Noite dos mascarados", ambas de Chico Buarque.
Gosto do Carnaval, como festa profana, assim como gosto da Quarta-feira de Cinzas, da Quaresma, do Tríduo Pascal, como momentos religiosos. É uma fase do ano muito intensa, que alterna a beleza do Carnaval, a profundidade das Cinzas que nos lembra a nossa fragilidade, a reflexão da Quaresma, a tristeza do assassinato do Cristo, a vitória da vida sobre a morte, a volta para a casa do Pai.
No entanto o eco do Carnaval trata de uma dispersão dos meus pensamentos muito simples e prosaica. O fato é que fui passar parte do Carnaval em uma cidade do interior que há muito não visitava. De manhã, na padaria, fiz uma pergunta a uma senhora que parecia conhecer bem a cidade.
- A senhora mora aqui há muito tempo?
Ela respondeu que morava ali há 60 anos. E eu emendei com perguntas sobre o Carnaval indicando que conhecia um pouco a cidade.
- E o Carnaval? Eram pelo menos três clubes. Às vezes tinha Carnaval de rua. Já foram testados dois lugares diferentes ao longo do tempo para o desfile dos Blocos. E também tinham os bloquinhos. E hoje parece tudo tão calmo. O Carnaval acabou?
Ela responde:
- É mesmo. Ninguém fala mais nada. Ninguém se prepara mais para o Carnaval. E se ninguém fala mais nada é certamente porque o Carnaval acabou, não é mesmo?
Finalizei a conversa:
- É mesmo. Se ninguém mais fala é porque o Carnaval deve ter acabado. Obrigado.
Tomei meu café refletindo sobre essa conversa. Eis, então, que começam as divagações e a profundidade das respostas dessa senhora ecoa na minha cabeça: se ninguém mais fala é certamente porque acabou.
Não só o Carnaval da cidade interiorana se finda quando ninguém mais fala e ninguém mais lembra dele. Se lembrado seria celebrado, seria festejado, seja com apoio do poder público, seja por meio da organização da sociedade civil. Assim também ocorre com as pessoas. Permanecem vivas enquanto são lembradas, festejadas.
Em Pedro Páramo, romance real-fantástico do mexicano Juan Rulfo, é por meio das lembranças dos mortos e sobre os mortos que se desenha e se revela o povoado de Colama, erigido sobre disputas e conflitos ancestrais. 
Na Bíblia, a passagem de Mateus (18:20), também me veio à mente, ecoou, ainda que eu não seja teólogo ou algo que se assemelhe: "onde dois ou mais estiverem reunidos em meu Nome, lá também estarei presente". É na reunião, na lembrança, na memória individual e coletiva, que nossos queridos se fazem presente.
Que o eco dessa conversa de Carnaval nos ajude a lembrar de nossas histórias, de nossos carnavais, de nossos queridos, de nossos ancestrais. Que nos ajude a construir memórias individuais e coletivas.