A primeira impressão ao olhar as gôndolas do supermercado é de diversidade de produtos. A segunda impressão é de poluição visual. Com um pouco mais de atenção, diversidade e poluição visual cedem lugar para a monotonia. Como monotonia diante da diversidade de caixas, cores e embalagens tão diversas?
Talvez a primeira aproximação para a resposta seja observar as gôndolas com diferentes marcas e os corredores com poucos gêneros. Assim em vez de milhares de produtos passamos para poucas unidades, talvez menos de duas dezenas de corredores: um com grãos, cereais e farinhas; um com temperos; chocolates e doces diversos; enlatados; óleos de canola, girassol, milho, soja e azeite de oliva. Então, uma parte mais gelada, uma espécie de Instituto Médico Legal (IML) culturalmente aceito como alimento exposto para a compra e o consumo com carnes diversas, desde os bovinos e suínos até aves, peixes, crustáceos e moluscos. Tem o setor dos laticínios. O setor de produtos de higiene pessoal e limpeza da casa; e uma parte com frutas, legumes e verduras. Evidentemente cada leitor, ao pensar nos supermercados que conhece, complementa a lista, seja com os corredores e setores até propriamente as gôndolas, diversas em marcas e monótonas no conteúdo nutricional de seus produtos.
O professor Ricardo Abramovay mobilizou o Relatório Estado Mundial das Plantas e Fungos publicado pela Kew Royal Botanic Gardens para refletir sobre a diversidade dos produtos nos supermercados. O autor diz que "as plantas comestíveis catalogadas globalmente pela ciência chegam ao impressionante número de 7.039", das quais 417 são cultiváveis. E como o trabalho de pesquisa e catalogação não cessa, somente em 2019 foram registradas 1.942 novas plantas (reino plantae) e 1.866 fungos (reino fungi).
De algum modo, esse trabalho dá um certo alento diante da lista de animais e plantas em risco de extinção. Se por um lado o ser humano destrói por outro lado a riqueza da natureza é tamanha que permite o trabalho incessante de sua classificação.
A diversidade de plantas e fungos entretanto não chega aos nossos pratos. Abramovay afirma que "cerca de 90% do que a humanidade ingere vem de apenas 15 produtos plantados" com predominância do arroz, milho e trigo. Nesta mesma toada, Edward Wilson, renomado entomologista americano, havia escrito em 2008 que "nós, como espécie, nos tornamos especializados em comer sementes de quatro tipos de gramínea: trigo, arroz, milho e painço". Quanta riqueza o meio natural nos proporciona e quão reducionistas somos.
Dentre as muitas possibilidades de classificação dos alimentos, uma foi desenvolvida no início dos anos 2000 pelo epidemiologista Carlos Augusto Monteiro (FSP-USP) que propôs quatro categorias: in natura, processados, ingredientes culinários processados, e ultra processados. Tenho a impressão de que nos supermercados predominam os alimentos ultra processados, mais baratos, mais instantâneos, mais rápidos para preparar e comer, mais vendidos, mais rentáveis para a indústria.
Fecha-se o ciclo: trabalhamos muito, gastamos pouco tempo para escolher nossos alimentos, não compramos diretamente do agricultor, não usamos nosso tempo para a preparação das refeições, comemos mal e rapidamente. Alimentamos a indústria dos ultra processados que por outro lado alimenta a monocultura e desvaloriza a agricultura familiar agroecológica, os circuitos curtos, a biodiversidade.
Os supermercados, portanto, são monótonos. Encontra-se muito mais diversidade em um torrão de terra que nas gôndolas dos supermercados. Façamos do torrão de terra, hortas, jardins e sistemas agroflorestais e alimentemo-nos dele!