A pergunta central que orienta o debate sobre a redução da jornada de trabalho é a seguinte: vivemos para trabalhar ou trabalhamos para viver? Com o passar do tempo muita gente vai se tornando escrava do trabalho, viciada em trabalho, mesmo ganhando pouco.
Nas últimas semanas, por iniciativa da deputada Federal Erika Hilton (PSOL-SP) o debate sobre a redução da jornada de trabalho ganhou força. Os argumentos favoráveis seguem a linha de que trabalhar menos melhora a qualidade de vida e mesmo a produtividade. Na verdade, nem sei se é propriamente trabalhar menos. Muitos trabalhadores, quando reduzem suas jornadas formais de trabalho, acabam trabalhando mais em torno de "cuidados" diversos: cuidado com crianças, idosos, jardins, animais de estimação, casa, corpo, saúde. O tempo livre não é utilizado propriamente para lazer e entretenimento, embora seja muito bem aproveitado.
Nos jornais desta semana, contrários à redução da jornada de trabalho estavam os economistas Cecília Machado e Bernardo Guimarães.
A primeira autora, escreveu na FSP (18/11/2024) e escolheu para argumentar contrariamente à redução da jornada de trabalho, seu efeito perverso para o caso francês no início dos anos 80. Em 1982, o presidente francês François Mitterrand reduziu a jornada de trabalho de 40 para 39 horas por semana. Segundo a autora, "a nova jornada desencadeou demissões, como aumento das transições do emprego para o desemprego". Com tantos exemplos historicamente favoráveis à redução da jornada de trabalho, recortar o curto prazo e escolher um caso sem justificativa torna o argumento, no mínimo, frágil.
O segundo autor, inicia seu texto (As incertezas sobre o 6X1) com o exemplo de um prédio que emprega 5 porteiros e afirma que com jornada de 5X2 em lugar de 6X1 ou o condomínio trocaria o serviço presencial por portaria remota e geraria desemprego ou contrataria mais porteiros e elevaria o custo condominial. A conclusão do autor é de que os efeitos de uma alteração constitucional desta magnitude são imprevisíveis em termos de aumentar ou diminuir o desemprego e a sua recomendação, portanto, é de que "deveríamos reconhecer a incerteza, consolidar mudanças pequenas, graduais e aprender com a experiência". A incerteza é fato, mas não justifica a contrariedade à tentativa e ao esforço de reduzir a jornada de trabalho. Como diria meu pai, certa é só a morte. Sobre as "mudanças graduais", ei-las propostas em 1995 por meio da PEC 271 de autoria do deputado federal Eduardo Jorge. Na ocasião, a PEC previa "reduzir a jornada de trabalho de 44 para 30 à razão de uma hora por ano, facultada a ampliação da jornada até o limite de 8 horas diárias e 40 horas semanais, mediante acordo a critério dos empregados e empregadores". Não foi aprovada. E continuamos com nossas 44 horas de jornada semanal.
Os argumentos contrários à redução da jornada de trabalho me remetem a um livro clássico de Albert Hirschman (1992) chamado "A retórica da intransigência: perversidade, futilidade, ameaça. Trata-se da apresentação de argumentos reacionários contra as conquistas de direitos civis, políticos e sociais. Neste caso, a tese apresentada pelos autores contrários à redução da jornada de trabalho é eminentemente a tese da ameaça, segundo a qual qualquer avanço na política social pode pôr em risco conquistas anteriormente conquistadas, ou seja, redução da jornada de trabalho colocando em risco o emprego vigente.
Como explicita Hirshman, o debate ocorre no campo dos argumentos, da produção de evidências, da retórica, do esforço de convencimento a partir de nossas crenças e nossas visões de mundo.
Que reduzamos a jornada de trabalho! Que trabalhemos para viver! Que não vivamos para trabalhar!