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Jornal Diário de Suzano - 23/11/2024
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Coluna

A minha versão, a sua versão e a verdade

17 fevereiro 2022 - 05h00

Se alguém te surpreender com a seguinte pergunta: “Quantas versões uma história, um relato, um depoimento podem ter”? Qual seria a tua resposta? Eu responderia com a palavra que mais ouvi durante as aulas que tive na minha breve, mas feliz passagem pelo curso de Direito: “depende”. E o leitor ou leitora imagina o porquê dessa minha resposta? Simples. Porque depende de quantas pessoas viram o que aconteceu. Para não complicar demais, vamos limitar esse número de envolvidos a apenas duas pessoas. Digamos que algo aconteceu entre a gente. Tivemos um desentendimento e, a partir daí, eu comecei a contar o meu lado da história para as pessoas e você o seu lado. Continuando nesse exercício de imaginação, vamos supor que esse “disse me disse” no qual nós nos envolvemos criou, por alguma razão, um interesse jornalístico. Por isso, tanto eu quanto você, fomos procurados por jornalistas querendo entender o que de fato aconteceu. Eles vão ouvir o meu relato, vão ouvir o teu relato e, com base nas evidências que puderem encontrar, tentar se aproximarem o máximo que conseguirem da verdade. Isso porque, quando reportagens assim chegam pra gente, a única certeza que temos é que esse tipo de história sempre tem três lados. O lado de quem acusa, o lado de quem é acusado e a verdade.
Na semana passada, por exemplo, a agressão a uma aluna transexual na Escola Estadual Galdino Pinheiro Franco ganhou a atenção da mídia. Os primeiros vídeos publicados e compartilhados em redes sociais mostravam a aluna sendo agredida com socos e pontapés por outros alunos. Podemos dizer que essa foi a “primeira versão” da história. Mesmo assim, sem saber dos detalhes, não foram poucas as pessoas (inclusive colegas jornalistas) que usaram as redes sociais para enquadrar a tentativa de linxamento como crime homofóbico. Esqueceram que as histórias têm mais de um lado. Aí, não demorou muito, e outros vídeos começaram a aparecer. Imagens gravadas antes das agressões à aluna transexual. Nessa segunda leva de gravações, nós vimos a aluna transexual tentando abrir a porta de uma sala de aula aos chutes e depois, já dentro da sala de aula, ela chuta cadeiras e carteiras. É possível ouvir os gritos dos outros alunos assustados com o ataque de fúria da aluna transexual.
Depois foram as versões do que teria causado a sequência de ataques e agressões que mudaram. Primeiro o motivo teria sido um xingamento homofóbico. Mas no depoimento à polícia a jovem disse que foi porque jogaram água e bolacha nela. E que isso teria acontecido dois dias antes. Com base nesses fatos fica difícil não se perguntar: quem será que está falando a verdade?
Independentemente de qual versão seja a verdadeira, o que aconteceu serviu para nos mostrar, mais uma vez, que é sempre necessário não acreditar em tudo que nos contam ou que nos mostram. Que uma história sempre pode ter, e normalmente tem, mais de um lado e que, como já disse Gandhi, “olho por olho e o mundo acabará cego”. As lamentáveis cenas de selvageria dentro de uma escola são a maior prova disso.