Por mais que o convívio com uma pessoa já dure alguns bons anos, será que nós realmente a conhecemos? De que maneira seria possível termos certeza disso se o ser humano é tão complexo, cheio de “lados” e incógnitas? Como medir quanto tempo é necessário para que, ao olharmos essa pessoa, possamos ter a convicção de que a conhecemos? Normalmente, quando me deparo com essa questão, gosto de lembrar de uma lição que aprendi quando ainda estava na faculdade. A aula era sobre a prática jornalística e, no dia, a lição foi sobre a confiança mútua que precisa existir entre o jornalista e a fonte. Em um determinado momento, o professor falou sobre o convívio, as conversas que precisam existir, a aproximação necessária para criar essa confiança. Porém, no final, ele nos fez um alerta ao dizer que confiar em alguém não significa que realmente conhecemos essa pessoa. E foi aí que, citando um antigo ditado, ele falou o que, para mim, é o melhor exemplo para esse caso. “Para começarmos a conhecer alguém, é preciso comer um saco de sal com essa pessoa”. Vale lembrar que o saco de sal usado nesse exemplo não é o pequeno que costumamos comprar nos supermercados. Não, estamos falando daqueles sacos grandes, de cinquenta a cem quilos. Agora, imagine você, se ao temperarmos a comida nós usamos pitadas de sal, quantos anos seriam necessários para acabarmos com um saco desses? Com certeza, como diz o ditado, tempo mais que o suficiente para começarmos a conhecer alguém de verdade.
Sendo assim, por qual razão alguém se arrisca a defender uma pessoa que mal conhece? Não foram poucas as pessoas que “queimaram” a mão ao dizer que a colocariam no fogo por Fulano ou Beltrano. No exemplo mais recente, o presidente Jair Bolsonaro “queimou” a cara. Isso porque, na transmissão que faz todas as quintas-feiras na internet, ele - para defender o então ministro da Educação, Milton Ribeiro - disse que colocaria a “cara no fogo” pelo ex-ministro. O apoio a um dos seus comandados veio depois das denúncias feitas pelos jornais Folha de São Paulo e Estadão e que mostravam a atuação de pastores evangélicos dentro do Ministério da Educação. Esses pastores, de acordo com os jornais, atuariam como lobistas facilitando a liberação de verbas do ministério para prefeituras que pagassem o que eles pediam. Só que essa “confiança” não durou uma semana. Depois de participar no final de semana da convenção do Partido Liberal (PL), evento no qual o presidente - que se elegeu criticando o Centrão - dividiu o palanque com líderes desse grupo político-fisiológico como o ex-deputado Valdemar Costa Neto, preso pelo mensalão, e o ex-presidente Fernando Collor de Mello, que foi “impichado” do Planalto por conta do esquema de corrupção comandado por Paulo César Farias, Bolsonaro decidiu pela queda do ministro.
Fazer aquilo que disse que não faria, ou deixar de cumprir algo que prometeu são decisões recorrentes quando falamos do atual ocupante do Palácio do Planalto. Durante a campanha de 2018, por exemplo, em entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo, Bolsonaro disse que acabaria com a reeleição. Não cumpriu. Também falou que só teria “quadros técnicos” nos ministérios, mas colocou um general no comando do Ministério da Saúde durante a pandemia da Covid-19. Pelo pouco que já vimos, tomara que não tenhamos que “comer um saco de sal” com o atual presidente para conhecê-lo ainda mais. A indigestão é garantida.