Não falarei aqui e agora, estritamente, do relato do cotidiano, que a redação de uma crônica nos permite. Pretendo falar do bem (ou seria um mal?) que se impõe aos escritores, de tanto desejar ler e escrever. Lembro que quando aprendi a ler, pareceu-me uma descoberta. Parecia-me ter sido de surpresa, sem que esperasse. Tanto que tinha dificuldade em dormir nos primeiros dias depois dessa, digamos, “descoberta”. Morria de medo de no dia seguinte acordar e não conseguir mais ler. Isso me acabrunhava muito. Para quem não sabe o que é acabrunhar, isso simplesmente significa, apoquentar. Ou seja, é apenas afligir, preocupar. Porem me incomodava muito. Fiz dois cursos, em épocas diferentes, para adquirir a leitura dinâmica. E lia bem rápido. Meu trabalho de pesquisador, e mesmo o de educador, me exigia muita leitura. Era professor antigo, sempre preparei minhas aulas. No entanto, mesmo lendo rápido, sentia prazer em ler mais lentamente um livro quando me dava prazer, especialmente estético. Fosse um romance, contos ou poesia. Voltava a reler. E com prazer, quase sempre descobria novos pontos não percebidos antes. Alguns textos me atingiam rapidamente. Outros nem tanto. Mas quando era jovem, fosse como fosse, lia o livro, até o final, de qualquer jeito. Foram muitos anos para deixar essa mania. Hoje, se o livro não me conquista, abandono a sua leitura. Sem remorso algum. Sempre me encantou ver as pessoas, especialmente, as crianças descobrindo mundos com a leitura. Isso sempre parecia mágica, comigo ou com os outros. E nunca fiquei preocupado se era ficção ou não, se era um texto que tratava desse outro universo, de um modo pseudoverdadeiro, ou se era algo de fundo real. Quando lia, sempre era real, mesmo que fosse fictício. E que coisa boa sempre foi ler uma boa construção poética, em prosa ou em versos. Tenho adoração pela sensibilidade poética. Isso sempre me envolveu. Mesmo hoje. Talvez, cada vez mais. Sinto que o mundo precisa mais de poesia. E vejo muitos jovens sem nenhum interesse em poesia. Não chegaram a aprender como vivenciar isso, essa estranha construção literária, a tal de poesia. Em particular a escrita em versos. Confesso que isso me incomoda um pouco, me preocupa. Vejo que esses jovens perdem a capacidade de se sensibilizar pelo que aconteça no mundo, com as gentes. Essa coisa de sensibilidade, de fato, pode ser uma sensação crônica, que não se perde jamais. Mas, que bom seria se mais gente fosse por ela contagiado.
Suami Paula de Azevedo