Caderno D

Cantor e compositor Chico César lança novo álbum 'Estado de Poesia'

3 JUN 2015 • POR • 08h00

Chico Cesar saiu sem deixar recado. Instigado, foi logo ali passar primeiro seis meses de pernas pro ar na Praia do Seixas, em João Pessoa. Depois, a convite do governo, criou e assumiu a Secretaria de Cultura da Paraíba. Saboreou do bem e da angústia de se ter a caneta nas mãos para realizar sonhos e melhorar vidas até a página dois, até o Estado agir contra seus próprios representantes e dinamitar ideias com mau humor e burocracia. Chico andou por duas Paraíbas, a das sensações de infância e a real, do asfalto e da areia, até encontrar por elas Bárbara, uma paixão. Ao voltar a São Paulo, com oito anos sem lançar um disco de inéditas, é um homem que abraça o mundo em 14 canções. Seu novo álbum, “Estado de Poesia”, tem teses e reflexões que, só a princípio, não dialogam entre si. "Ele vem reivindicar a liberdade do ato de fazer", poetiza Chico, no final de uma tarde em sua agradável casa no bairro do Sumaré, em São Paulo. Ele naturalmente desenvolve a ideia bem mais, mas logo depois pula para outros motes. Seu disco pode ser visto como um LP de lados A e B. No A, músicas de dentro para fora, canções que fez em estado de paixão para Bárbara, como Caninana, Caracajus, Da Taça, Museu e Palavra Mágica. E no B, o protesto mesmo travestido de festa que sempre o acompanhou e que agora ganham forma em músicas como Guru, Negão e No Sumaré. De todas, apenas duas não são de sua autoria integral. Quero Viver veio de um poema inédito de Torquato Neto (tropicalista que se suicidou em 1972), transformado em frevo, e os Reis do Agronegócio, de versos extensos e divisão bobdyleana feitos com indignação e súplica por Carlos Rennó, faixa que só entrou no disco por força das redes sociais como bônus. Chico chegou a cantá-la no plenário da Câmara dos Deputados durante uma sessão para homenagear o Dia do Índio. Alguém ali deve ter se arrependido muito de chamá-lo ao ouvir o que tinha a dizer: "Vocês se elegem e legislam feito cínicos / Em causa própria ou de empresa coligada / O frigo, a múlti de transgene e agentes químicos / Que bancam cada deputado da bancada / Até comunista cai no lobby antiecológico / Do ruralista cujo clã é um grande clube / Inclui até quem é racista e homofóbico / Vocês abafam mas tá tudo no YouTube." As habilidades poéticas de Chico Cesar o tornaram um manifestante preciso disfarçado de trovador ingênuo capaz de fazer dançar até o integrante da bancada ruralista que ele acusa de criminoso. Com exceção de Reis do Agronegócio, de sensação mais dramática, seu disco é para dançar e cantar, mesmo quando o assunto é o preconceito racial colocado no reggae Negão, com a voz dividida com Lazzo Matumbi. "Negam que aqui tem preto, negão / Negam que aqui tem preconceito de cor / Negam a negritude, essa negação / Nega, a atitude de um negro amor". Além de trazer Torquato, Chico lembra também de Santos Dumont com um frevo chamado Alberto, seu primeiro nome. Na conversa com a reportagem, ele explica que a ideia veio quando subia as escadas rolantes de um aeroporto em São Paulo. A homossexualidade do inventor, a repressão paterna e sua morte por suposto suicídio aos 59 anos, em 1932, são linhas de um mesmo drama, na decolagem de Chico Cesar. "A criação do avião, para mim, foi a metáfora perfeita de seu desejo de voar, de se libertar. E isso vai se concretizar com sua morte, com seu suicídio. Ele foge do pai castrador para ir ao encontro ao outro pai". Indo e vindo de fora para dentro e vice-versa, lá aparece o compositor entregando os sentimentos a Bárbara logo no início. Mas também quando faz isso, Chico Cesar pode estar disfarçado. Caninana, a abertura, é um xote pesado, urbano, espaçoso, contagiante e pop. E essa última categoria não o amedronta. Chico não parece precisar de um acorde de quinta diminuta para acalmar seu ego. O que ele faz aqui é simples na estrutura e com um poder de comunicação poderoso, o que não parece tirar a legitimidade de sua arte.