Cantor e compositor Chico César lança novo álbum 'Estado de Poesia'
Chico Cesar saiu sem deixar recado. Instigado, foi logo ali passar primeiro seis meses de pernas pro ar na Praia do Seixas, em João Pessoa. Depois, a convite do governo, criou e assumiu a Secretaria de Cultura da Paraíba. Saboreou do bem e da angústia de se ter a caneta nas mãos para realizar sonhos e melhorar vidas até a página dois, até o Estado agir contra seus próprios representantes e dinamitar ideias com mau humor e burocracia. Chico andou por duas Paraíbas, a das sensações de infância e a real, do asfalto e da areia, até encontrar por elas Bárbara, uma paixão. Ao voltar a São Paulo, com oito anos sem lançar um disco de inéditas, é um homem que abraça o mundo em 14 canções. Seu novo álbum, “Estado de Poesia”, tem teses e reflexões que, só a princípio, não dialogam entre si. "Ele vem reivindicar a liberdade do ato de fazer", poetiza Chico, no final de uma tarde em sua agradável casa no bairro do Sumaré, em São Paulo. Ele naturalmente desenvolve a ideia bem mais, mas logo depois pula para outros motes. Seu disco pode ser visto como um LP de lados A e B. No A, músicas de dentro para fora, canções que fez em estado de paixão para Bárbara, como Caninana, Caracajus, Da Taça, Museu e Palavra Mágica. E no B, o protesto mesmo travestido de festa que sempre o acompanhou e que agora ganham forma em músicas como Guru, Negão e No Sumaré. De todas, apenas duas não são de sua autoria integral. Quero Viver veio de um poema inédito de Torquato Neto (tropicalista que se suicidou em 1972), transformado em frevo, e os Reis do Agronegócio, de versos extensos e divisão bobdyleana feitos com indignação e súplica por Carlos Rennó, faixa que só entrou no disco por força das redes sociais como bônus. Chico chegou a cantá-la no plenário da Câmara dos Deputados durante uma sessão para homenagear o Dia do Índio. Alguém ali deve ter se arrependido muito de chamá-lo ao ouvir o que tinha a dizer: "Vocês se elegem e legislam feito cínicos / Em causa própria ou de empresa coligada / O frigo, a múlti de transgene e agentes químicos / Que bancam cada deputado da bancada / Até comunista cai no lobby antiecológico / Do ruralista cujo clã é um grande clube / Inclui até quem é racista e homofóbico / Vocês abafam mas tá tudo no YouTube." As habilidades poéticas de Chico Cesar o tornaram um manifestante preciso disfarçado de trovador ingênuo capaz de fazer dançar até o integrante da bancada ruralista que ele acusa de criminoso. Com exceção de Reis do Agronegócio, de sensação mais dramática, seu disco é para dançar e cantar, mesmo quando o assunto é o preconceito racial colocado no reggae Negão, com a voz dividida com Lazzo Matumbi. "Negam que aqui tem preto, negão / Negam que aqui tem preconceito de cor / Negam a negritude, essa negação / Nega, a atitude de um negro amor". Além de trazer Torquato, Chico lembra também de Santos Dumont com um frevo chamado Alberto, seu primeiro nome. Na conversa com a reportagem, ele explica que a ideia veio quando subia as escadas rolantes de um aeroporto em São Paulo. A homossexualidade do inventor, a repressão paterna e sua morte por suposto suicídio aos 59 anos, em 1932, são linhas de um mesmo drama, na decolagem de Chico Cesar. "A criação do avião, para mim, foi a metáfora perfeita de seu desejo de voar, de se libertar. E isso vai se concretizar com sua morte, com seu suicídio. Ele foge do pai castrador para ir ao encontro ao outro pai". Indo e vindo de fora para dentro e vice-versa, lá aparece o compositor entregando os sentimentos a Bárbara logo no início. Mas também quando faz isso, Chico Cesar pode estar disfarçado. Caninana, a abertura, é um xote pesado, urbano, espaçoso, contagiante e pop. E essa última categoria não o amedronta. Chico não parece precisar de um acorde de quinta diminuta para acalmar seu ego. O que ele faz aqui é simples na estrutura e com um poder de comunicação poderoso, o que não parece tirar a legitimidade de sua arte.