Caderno D

Aos 67 anos, Vanusa tem disco novo e álbuns dos anos 60 e 70 relançados

22 AGO 2015 • POR • 08h00

Foram duas décadas sem entrar em um estúdio para fazer um disco novo. Nesse longo tempo, Vanusa Santos Flores quase deixou de cantar. Ficou traumatizada desde o dia em que fez uma infeliz interpretação do Hino Nacional. Estava sob efeito de remédios. Ao ver o resultado do estrago que as redes sociais passaram a fazer em sua vida, pensou em jogar a toalha. E ela jogou, até que Zeca Baleiro passou a procurá-la quando ela ainda estava internada em uma clínica de reabilitação. Zeca, o único artista a dar sinais para saber de seu estado de saúde, propôs a salvação à qual Vanusa se agarrou: um novo disco. "O Zeca Baleiro iria produzir um disco meu! Quase desmaiei". Ao deixar a clínica, passou a fazer registros aos poucos e, agora, anuncia que o trabalho sai em um mês. Ao mesmo tempo, duas caixas preciosas lançadas pelo selo Discobertas, com o melhor que Vanusa fez em sua carreira, seguem para as lojas neste momento. A primeira delas traz quatro discos que Vanusa gravou entre 1967 e 1973. O primeiro é Vanusa (com o hit Pra Nunca Mais Chorar), e os outros são, todos homônimos, de 1969 (um de seus melhores álbuns, roqueiro e às vezes psicodélico, com Hei Sol, Meu Depoimento e Que Você Está Fazendo Nesse Lugar Tão Frio?); de 1971 (com os bônus Namorada, de Antonio Marcos, Homem, de Taiguara, e Sem Mistério, de Luis Vagner); e o de 1973 (com as extras Valeu a Pena, de Eduardo Lages e Expedito Faggione) e o tema do Fantástico (de Guto Graça Mello e Boni). A segunda caixa da Discobertas (cada uma sai pelo preço médio de R$ 80) traz o álbum de 1974 (que tem Sonhos de um Palhaço, de Antonio Marcos e Sérgio Sá); Vanusa Amigos Novos e Antigos (com o sucesso Paralelas, de Belchior, e Outubro, de Milton Nascimento e Fernando Brant); Vanusa 30 Anos (compilação com a primeira gravação feita para Avohai, de Zé Ramalho) e Viva Vanusa (que traz Mudanças, A Vida Não Pode Parar, Gaiola Dourada e Meu Nome é Noite Vadia). É um material poderoso que sai em um momento oportuno de redescoberta e revalorização de uma cantora que foi equivocadamente embalada para a Jovem Guarda, apesar de jamais ter feito parte da turma do programa de Roberto Carlos. Não atrapalha o fato de verem você ainda como uma integrante da Jovem Guarda? Vanusa - Pois é, me chamaram agora mesmo para uma festa dos 50 anos da Jovem Guarda. Gente, esse povo não coloca na cabeça que eu não fiz parte da história da Jovem Guarda! Havia dois grupos. O do Roberto Carlos na TV Record e o do Eduardo Araújo, Carlos Imperial e Os Incríveis na Excelsior. Eu fazia parte desse último. Um dia, recebi o convite para fazer o programa do Roberto e fui. Mas foi o último programa do Roberto. Eu não era da Jovem Guarda, não usava aquelas roupas, tinha um estilo próprio. E minhas músicas eram diferentes. A música que você fez nesta época não deveria tê-la aproximado mais da MPB? Vanusa - Era essa a minha ideia, eu queria exatamente isso. Eu adorava letras, fui a primeira pessoa a gravar Zé Ramalho (Avohai). Mas o que a impediu de fazer parte desse cenário? Vanusa - O preconceito, o fato de me enxergarem como cantora de iê-iê-iê. Mas eu não dava muita bola para isso, consegui passar, subir alguns patamares, mesmo assim. Quando eu estava casada com o Antonio Marcos, ele chegou em casa dizendo que havia feito uma música linda em parceria com o Sérgio Sá para ser gravada pela Elis Regina. Eu comecei a ouvi-la e, quando acabou, eu disse: "Não, essa música não é para a Elis, essa música é minha". Ele disse que era a chance de ser gravado pela Elis, mas eu bati o pé: "Não me interessa, essa música é minha, é a minha cara". Ele insistiu e eu disse: "Ah é? Você vai dormir no sofá da sala enquanto não resolver". Ele dormiu no sofá até o dia em que bateu na porta: "Tá bem, eu dou a música que você quer, mas me deixa dormir na cama". A música era Sonhos de Um Palhaço. O episódio do ‘Hino Nacional’ enterrou sua carreira? Vanusa - Fui uma maldade de quem fez, de quem retirou aquela gravação da Assembleia. Eles cortaram a parte inclusive em que eu desmaiei depois de cantar. Eu comecei a cantar e não sabia mais o que estava fazendo, e pouca gente sabe ainda que eu desmaiei. Mas olha só: com essa história do Hino Nacional, até as crianças de 5 anos passaram a me conhecer. Os pais colocam a imagem para elas darem risada de mim. E como você está hoje? Vanusa- Quando fui internada, eu só queria andar no carro se fosse deitada no banco de trás para ninguém me ver. Foi uma das coisas mais sofridas da minha vida. Quando via TV, as zoações que as pessoas faziam, eu dizia "gente, trabalhei tanto para isso?". Mas ter ido para a clínica foi bom porque eu convivi com garotos de 14 anos que fumavam crack, meninos que tinham de tomar remédio para dormir por três dias, que tinham de vencer crises de abstinência terríveis. Eu conversava com uma garota de 25 anos que a mãe foi buscar na rua, tirar das drogas. Um senhor que era viciado em sexo pegou até a irmã da mulher dele. Até que um dia ajoelhei no meio da sala, coloquei as mãos para o céu e disse: "Senhor, me perdoa porque eu não tenho problema. Não tenho problema nenhum, Senhor. Isso tudo é frescura".