Talvez não devesse dizer isso, mas não via a minha amiga Wilma Bentivegna há um longo tempo. E quando ela se foi, ficou algo como um vazio. E a desconfortável sensação de que deveria tê-la procurado antes. Não queria lembrar da última vez que estivemos juntos. Ela me pareceu não estar inteira. O que também me incomodou. Ah, vou além. Lembro de lindos instantes em que ela, como sempre, foi tão carinhosa comigo. Como ela sempre era. Doce. Um ser sensível em sua aparente fragilidade a um mesmo tempo em que era consistente. Saber que ela havia partido me perturbava. Ela faria, ela fará, falta. Dei a ela uns discos franceses de que gostava. Faz muito tempo isso. Ela os recebeu com tanto carinho, que me emocionou. Dei-lhe uma seleção da Edith Piaf, autora do original francês do seu maravilhoso sucesso em português, “Hino ao Amor”. Ela retornou-me com uma emoção contagiante, que me surpreendeu em seu jeito de ser. Eu supunha, e ainda creio nisso, que era apenas o seu jeito carinhoso de ser. Ela deveria ter uma dezena de discos da Piaf. Aliás, fui reler a letra de “Hino ao Amor”. Em francês é uma coisa, bem mais contundente do que a bela versão em português de que ela foi a grande interprete, desculpem-me as demais, mas é assim que sinto. Dizem que foi o radialista Odair Marzano o feliz autor da versão em português. O colunista Gil Fuentes, a quem cumprimento aqui, fez uma homenagem de página inteira para Wilma, no domingo passado, no DS. O que foi muito bonito. E ofereceu-nos essa letra da música. Ela, a Wilma, já era moça e eu ainda uma criança, mas lembro de um outro sucesso dela, “Marcelino Pão e Vinho”, da trilha de um filme espanhol, com esse mesmo título, que tocou muito a todos pelo mundo inteiro. Não lembro de tudo, mas havia um instante em que dizia: “Sonha, sonha Marcelino, já começa a clarear...”, é o que me vem. E vem como claridade, um sol delicado iluminando os caminhos das lembranças infantis. Ela me deu momentos de muita sensibilidade. Havia a programação de uma exposição sobre ela no Museu de Arte e Memória de Suzano. Não temos porquê deixar de montá-la. Muito ao contrário. Merece. Teria sido emocionante com ela mesmo presente. E significativo para a nossa Cidade, que ela, sim, escolheu para ficar. Há uns vinte e poucos anos, quando recebi o prêmio do primeiro lugar do Mapa Cultural Paulista de Poesia, em São Paulo, ela estava comigo. Como esquecer? Tocou-me que ela partisse assim, agora.
Suami Paula de Azevedo